Mário Pinto de Andrade (*)
Contei meus anos e descobri
que terei menos tempo para
viver daqui para a frente
do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas percebendo que
faltavam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos
inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles
admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para
discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram
pelo
majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem
conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia,
quero viver ao lado de gente
humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com
triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o
essencial!
(*) Escritor
e político angolano (1928-1990).